O Gaúcho que laçou um avião, por Ivan Almeida

 

 

O amigo do PRIMEIRA HORA, na Bandeirantes, Rogério Mendelski, fez um pedido hoje, que me obrigou a buscar em meus arquivos detalhes de uma história acontecida no RS,e que se não tivesse sido documentada passaria a figurar como mais um “causo de bolicho”.

Vamos a ela e seus personagens.

Primeiro o Peão: Euclides Guterres, nascido em Santa Maria, que se tornou celebridade instantânea no dia 20 de janeiro de 1952, quando tinha 24 anos de idade, ao laçar o avião CAP4/Paulistinha (prefixo PP-HFP), que estava dando rasantes na fazenda de seu patrão.

Segundo, e não menos importante o Piloto: Irineu Noal, com histórico de apenas 20 horas de vôo, tinha decolado do aeródromo de Santa Maria com destino à fazenda de Cacildo Pena Xavier (pai da ex-namorada do piloto) em Tronqueiras, onde ele terminaria seu relacionamento amoroso e devolveria as cartas à ex-namorada, que já estava noiva de outro.

O piloto levou menos de dez minutos para chegar à localidade de Tronqueiras, que é uma unidade residencial do bairro Arroio do Só, no distrito de Arroio do Só – distrito de Santa Maria desde 1886. Ao sobrevoar a fazenda, começou a fazer uma série de manobras rasantes próximas à cerca, onde Guterres, por achar que aquilo era uma provocação, ou brincadeira, depois de três ou quatro tentativas, conseguiu laçar a aeronave.

Numa passagem muita baixa sobre o rebanho, o peão mirou o avião e jogou o laço. Para desespero do piloto, a corda se enrolou na hélice.

A força do teco-teco arrancou o laço das mãos do laçador. O motor do avião começou a trepidar e a perder altura. Noal teve que aumentar imediatamente a rotação do motor da aeronave, evitando a iminente queda. Oito longos minutos depois conseguia retornar, inteiro, ao aeroclube.

O avião não caiu porque a hélice do motor cortou o laço. Mesmo assim foi danificado, e o piloto Irineu recebeu uma multa e teve seu brevê cassado.

Em 1999, quando com 68 anos foi perguntado sobre o fato, ele não se sentiu à vontade para falar sobre a façanha e disse:

-Foi uma brincadeira de guri -resumiu-se a contar.

Mesmo arredio, o piloto admitiu o perigo da manobra e desdenhou a habilidade do peão.

-Aquele não laçava nem vaca. Foi uma sorte muito grande -afirma Noal, só não conseguiu lembrar o dia exato do episódio.

Na ocasião, houve registro do fato na Time Magazine, em 11 de fevereiro de 1952 e em jornais da época, como A Razão, Diário de Notícias e no caderno Almanaque do Correio do Povo.

Em uma tarde de janeiro de 1952, o jornalista Cláudio Candiota, então diretor do jornal ´A Razão´, de Santa Maria (RS) encontrava-se em sua sala quando foi procurado pelo comandante do aeroclube da cidade, Fernando Pereiron. O visitante trazia uma notícia de impacto, mas não para ser divulgada. Pelo contrário, queria escondê-la. Temia causar prejuízo à imagem do estabelecimento sob sua responsabilidade. Quando soube do que se tratava, a reação de Candiota foi em sentido oposto: “Deixa comigo. Vou tornar este aeroclube famoso em todo o mundo. É a primeira vez que acontece uma coisa como essa” – disse de imediato. Como também era correspondente no RS da revista O Cruzeiro,o jornalista telefonou para a direção da revista, no Rio, que mandou, já no dia seguinte, para Santa Maria, o seu melhor fotógrafo, o gaúcho Ed Keffel. Uma semana depois aparecia, com exclusividade, a reportagem em cinco páginas, amplamente ilustrada.

A Base Aérea de Santa Maria também mantém em seu acervo vários jornais e revistas da época, relatando a façanha do peão Euclides Guterres.

Euclides Guterres e Irineu Noal, já morreram. Não existem registros de casos semelhantes.

A façanha não tornou famosos apenas o peão. A ousadia do piloto rendeu sucesso entre as garotas da época. Noal recebeu várias correspondências que elogiavam sua coragem. Mesmo incomodado em falar sobre o assunto, o piloto fez questão de provar a veracidade da história. Nos fundos da ferragem administrada pelos filhos, pendurada no canto de uma parede estava a hélice do Paulistinha. Enrolado à hélice permanece até hoje o laço que abortou a aventura. Até hoje a família guarda a hélice da aeronave com o pedaço do laço, segundo matéria do jornal Correio do Povo de 29 de janeiro de 2007.

Já o Peão, Guterres, como quem justificava um erro, insistia em dizer que avisou o piloto da sua intenção de laçar o avião. Só depois de repetidas tentativas, ele conseguiu cumprir a promessa.
Ari Jardim Guterres,diz que o primo se divertia quando lembrava do fato.

Orgulhoso, contava que tinha se vingado do homem que espantava o gado e não respeitava o trabalho da peonada. Relatando o episódio curioso o primo traz para a história um detalhe que não foi contado ou publicado nos jornais e revistas da época. A coragem do peão foi suficiente para laçar o teco-teco, mas não afastou o medo das conseqüências. Temendo ser preso, Guterres desapareceu por três dias.

-O patrão teve de buscar o Euclides no meio do mato. Ele ficou escondido com medo de ter cometido um crime.