O “Questionário”

Que fique bem claro: sou de um tempo que minha geração jovem não tinha internet, celular, streamings, veículos elétricos e que tatuagem era coisa de presidiário ou de marinheiro. Por favor, nada contra! Éramos apenas uma geração análogica, com nosso lazer se resumindo ao bilboquê, ao jogo de fla-flu, também conhecido como pebolim, totó ou pacau, ao jogo de botão ou futebol de mesa – este com botões comprados na Casa Sparta (em Porto Alegre) ou, para os menos abonados, com botões “operados” em casa com casca de coco.

Também trocávamos estampas que vinham na embalagem dos sabonetes Eucalol ou figurinhas das Balas Ruth. O jingle das balas Ruth ainda estão na minha memória: “Balas instrutivas Ruth, são fáceis de colecionar, independente do álbum, lindos prêmios podemos ganhar”.

O prêmio?

Um relógio de pulso da Masson!

Skate nem pensar! Velocidade para nós era o carrinho de lomba, preparado por nós mesmos.

Mas ainda acredito que fortes emoções vinham com a reunião-dançante e com o questionário. Aquele caderno de 50 ou 100 folhas com perguntas para colegas de aula que procuravam vasculhar nossas preferências pessoais e intransferíveis. Os garotos queriam saber da intimidade das garotas e vice-versa. Então, entre muitas perguntas óbvias, após a identificação obrigatória na abertura das questões (nome completo, idade, série escolar) vinham as primeiras indagações rigorosamente privadas.

Vamos lá: qual o teu signo? Gostas da tua aparência? Tua altura e a cor dos teus cabelos. Tens algum (a) amigo (a) da tua preferência? Tua praia de veraneio. Teus filmes favoritos, cita-os com os nomes de alguns artistas preferidos. Teu prato preferido. E a música também.

O ponto alto do questionário, para nós, eram as perguntas capciosas. Gostas de dançar de rosto colado? Que achas de uma noite de luar? Tens namorado ou namorada? O nome dela ou dele? Que achas do amor?

Aí, gaiato, sempre tinha o piadista na turma que respondia: “O amor é um flor roxa que nasce no coração do trouxa!”

Mas a pergunta especial, esperada por todos, tinha um componente de alto erotismo imaginário, especialíssima, o motivo de todo o questionário, com um parágrafo estonteante:

1- “Que achas do beijo?” Parágrafo único: “Já foste beijada ou beijado?” Pronto.

Daí em diante, o questionário perdia o interesse com mais alguma pergunta inocente para disfarçar a curiosidade de todos os questionados.

E terminava com a pergunta “Que achas da dona ou dono deste questionário?”

Sem antes de encerrar, acrescentar o último pedido: “Deixa aqui uma recordação por escrito”.

Os meninos escreviam alguma bobagem e as meninas faziam um coração com pó raspado do lápis de cor.

Éramos felizes e com nossas curiosidades esclarecidas.

Tudo em modo analógico.